O mais duro golpe da ditadura militar brasileira (1964-1985), o Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, gerou, no paÃs, os momentos mais sombrios do perÃodo, permitindo aos governantes a punição arbitrária à queles considerados inimigos do regime, além da supressão da liberdade de imprensa. Nesse mesmo 13 de dezembro, o jornal Estado de São Paulo, o Estadão, foi invadido por policiais que tentavam apreender a tiragem daquele dia, que criticava duramente o então presidente da República, marechal Arthur da Costa e Silva, no editorial Instituição em Frangalhos. Testemunha desses momentos de censura à imprensa brasileira, que durou quase duas décadas, o jornalista e roteirista José Maria Mayrink esteve no campus Coração EucarÃstico no dia 22 de março, para lançar o documentário Estranhos na Noite – Mordaça no Estadão em tempos de censura, inspirado no seu livro 1968, Mordaça no Estadão.
Numa iniciativa da Vice-reitoria, com apoio da Secretaria de Comunicação e da Faculdade de Comunicação e Artes, apresentado a professores e estudantes de Comunicação Social e a jornalistas convidados, o documentário, que tem roteiro de Mayrink e direção de Camilo Tavares, conta, por meio de imagens e 27 depoimentos, como foi o perÃodo em que os jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, entre outros setores da cultura brasileira, foram censurados pelo regime militar. Alvo de ameaças, o jornal viria a ser censurado por quase três anos – de setembro de 1972 a 3 de janeiro de 1975 -, perÃodo em que matérias censuradas foram substituÃdas, como forma de protesto, por receitas "intragáveis" de bolos, como ressalta Mayrink, e versos de Os LusÃadas, de Camões.
A ideia do documentário surgiu a partir do livro de Mayrink, 1968, Mordaça no Estadão, lançado em dezembro de 2008, pelos 45 anos do AI-5. O tÃtulo Estranhos na Noite evoca a música Strangers in the Night, de Frank Sinatra, cantada com deliberada ironia pelo então chefe de diagramação do Estadão, Gellulfo Gonçalves, conhecido como Gegê, sempre que os censores, que se instalaram na sede do jornal, entravam na redação.
Para rememorar essa história, foram entrevistados diretores do Estadão, os jornalistas Carlos Chagas, Ricardo Kotscho, Fernando Mitre, Ivan Ângelo, entre outros profissionais da imprensa, as atrizes Irene Ravache e Eva Wilma, e Delfim Neto, então ministro da Fazenda, que declara, no filme, que nunca houve "milagre econômico" e que assinaria de novo o AI-5.
Autor de outros sete livros, todos ligados à imprensa, vencedor de prêmios nacionais como o Esso de Jornalismo e o Rondon de Reportagem, José Maria Mayrink é também protagonista do documentário. Mineiro de Jequeri, na Zona da Mata, atua há 54 anos no jornalismo, fazendo questão de se dizer "repórter", dos quais 34 anos no Estado de São Paulo, 13 no Jornal do Brasil, entre outros veÃculos de comunicação, como o Jornal da Tarde e a revista Veja. Viveu momentos marcantes do perÃodo da repressão no PaÃs, tendo sido o primeiro jornalista a ver o corpo do guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969) jogado em um Fusca em emboscada na Alameda Casa Branca, no bairro Jardins, em São Paulo.
Depois da apresentação do documentário para uma plateia que lotou o auditório 1 do prédio 4, o jornalista comentou o filme e falou sobre liberdade de imprensa, afirmando que não há censura hoje, a não ser a judicial, como a sofrida pelo Estadão, desde julho de 2009, por cobertura a respeito de fatos acerca do filho do ex-presidente José Sarney. Ele lembrou que isso se repete no interior do Brasil, em que juÃzes de comarcas veÃculos de imprensa a publicar informações que contrariem interesses de autoridades locais. Alertou, ainda, para o cuidado que se deve ter para evitar a autocensura, um "fantasma" herdado da censura do passado.
O documentário Estranhos na Noite – Mordaça no Estadão em Tempos de Censura poderá ser acessado, em breve, na página eletrônica do Estadão.